O Nordeste estava sendo visto com um grande potencial para produção de hidrogênio verde, mas carência de conexão é ameaça

Ângela Fernanda Belfort

De Recife angela.belfort@movimentoeconomico.com.br / FONTE: ME

Imagine um empreendimento que vai demandar um investimento estimado em R$ 26 bilhões, possui todas as licenças prontas para começar as obras, mas teve negada a garantia futura do acesso à rede do Sistema Interligado Nacional (SIN), que faz a energia elétrica chegar às casas e às empresas. Foi o que ocorreu com o projeto da empresa Solatio que vai se instalar no município de Parnaíba, no Piauí. O parecer de acesso de carga – que estabelece a garantia da energia futura – foi negado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) a, pelo menos, mais quatro futuras fábricas de hidrogênio verde e um data center, entre outros.

O diretor de Novos Negócios da empresa Solatio, Eduardo Azevedo, disse que a empresa está recorrendo da decisão do ONS, fazendo estudos e que sem a conexão elétrica muitos projetos de produção de hidrogênio verde, previstos para se implantarem no Nordeste, perderão a viabilidade econômica. “Estamos avaliando a possibilidade de fazer o armazenamento de energia, mas o projeto vai ficar mais caro”, conta.

A Solatio planeja produzir hidrogênio verde e amônia. O projeto da empresa foi aprovado, em março de 2025, pelo Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços para implantação na Zona de Processamento de Exportação do Parnaíba com redução da carga tributária. Segundo Eduardo, o projeto já tem o comprador dos produtos a serem fabricados. A previsão era de que a unidade entrasse em operação em 2029.

Potencial do Nordeste

O Nordeste estava sendo visto com um grande potencial para produção de hidrogênio verde, principalmente por ser uma grande produtor de energia renovável. “A região tem energia barata e produz em horários complementares, o que ocorre com as fontes de geração eólica e solar. Caso não ocorra a conexão, não vai conseguir transformar energia elétrica em hidrogênio verde. Entendemos que parte desta infraestrutura existe, mas não está disponibilizada por causa de uma operação conservadora do sistema”, resume Eduardo.

O ONS passou a operar o SIN de forma conservadora – transportando menos energia do que a atual capacidade de muitas linhas de transmissão – depois do apagão de agosto de 2023. Na época, foi divulgado que o apagão ocorreu por causa das energias renováveis, informação que é contestada pelos técnicos do setor. Mas as linhas de transmissão estarem operando abaixo da sua capacidade não é o único problema. Também faltam investimento em linhas de transmissão e reforço da infraestrutura elétrica no Brasil.

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Além do projeto da Solatio, os quatro projetos que tiveram a garantia da futura conexão negada envolvem investimentos superiores a R$ 100 bilhões, levando em consideração os valores anunciados quando os empreendimentos foram divulgados. Estes grandes projetos vão levar um tempo para sair do papel e devem entrar em operação, pelo menos, a partir de 2029. Entre os projetos com os pareceres negados, estão a fábrica de hidrogênio verde e um data center da Casa dos Ventos no Ceará. A assessoria da Casa dos Ventos informou que a empresa não vai comentar o assunto.

O Ceará será o Estado mais prejudicado com a negativa do ONS. Dos cinco grandes projetos, quatro estão no Ceará. “Todos os projetos do Nordeste que pediram a futura garantia de conexão foram negados”, diz a CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Fernanda Delgado. A negativa do ONS ocorreu em janeiro. A entidade contratou a Cepel para fazer consultoria em um estudo numa parceria com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) que aponte soluções para este problema. O impacto que a falta de conexão pode trazer

“De maneira geral, o setor precisa ter o parecer da futura garantia à conexão da rede para conseguir financiamento no mercado financeiro”, conta Fernanda, acrescentando que a entidade está em diálogo aberto com várias instâncias do governo federal que têm dado sinalizações boas para a indústria. A expectativa da entidade é de que o estudo da EPE fique pronto até agosto e no início de 2026 ocorram leilões de obras que podem melhorar esta infraestrutura à rede elétrica.

Fernanda diz esperar que estas obras não ocorram com tantos atrasos e argumenta, que caso não seja encontrada uma solução, os investidores vão se direcionar para outros lugares, onde tem a garantia de acesso à conexão da rede elétrica. “Acreditamos numa solução comum, porque são oportunidades de geração de emprego e renda que representam uma grande oportunidade para o Nordeste”. Ela também argumenta que existem ajustes operacionais que podem ser feitos pela ONS para que a atual rede elétrica receba mais energia.

O diretor técnico regulatório da a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) , Francisco Silva, afirmou que a negação dos pareceres de futura garantia de conexão ao SIN deixa o setor muito preocupado. Ele afirma que os empreendimentos que tiveram o parecer do acesso a conexão negados são eletrointensivos, precisam de muita energia.

“Se houvesse um planejamento adequado ali da parte do sistema, nós estaríamos conseguindo colocar essas cargas e até viabilizar também mais oferta para dentro do nosso sistema”, explica Francisco. Ele argumenta também que a responsabilidade pelo sistema elétrico não é de responsabilidade de apenas um órgão, pessoa ou gestão, mas foi o resultado de muitos anos de planejamento de um sistema elétrico que “mudou bastante e estava acostumado a se expandir de forma menos rápida”.

Ele cita que as usinas hidrelétricas, usinas termelétricas demoravam em torno de cerca de 5, 6, 7 anos, muitas vezes, entre o início da sua construção e a efetiva entrada em operação comercial. “Agora, por exemplo, temos usinas solares que ficam prontas em cerca de um ano e usinas eólicas que ficam prontas em cerca de um ano e meio. Isso traz um desafio sistêmico adicional, porque não se consegue expandir o sistema em termos de transmissão tão rapidamente quanto você consegue expandir em termos da oferta de geração”,conta.

Alguns entrevistados também argumentaram que também não estava previsto, há cerca de 10 anos, a implantação destes grandes empreendimentos de hidrogênio verde, eletrointensivos. “Entendemos que é necessário que o sistema avalie a necessidade de um planejamento prospectivo para atender, anos à frente, as cargas e ofertas que vão se viabilizar ao longo do tempo. Sai mais barato para o sistema uma sobreoferta de transmissão do que o que está acontecendo agora”

O lado do ONS

O ONS informou, por nota, que “as negativas de acesso ao Sistema Interligado Nacional (SIN) para projetos de Data Centers e Hidrogênio Verde decorrem da inexistência de rede de transmissão disponível para atender, com segurança, os elevados montantes de demanda solicitados. Cada solicitação é analisada de forma individual, com base em critérios técnicos estabelecidos nos Procedimentos de Rede, e os pareceres emitidos indicam os impactos da conexão dessas cargas ao sistema elétrico”. 

Ainda de acordo com o ONS, a “conexão de grandes consumidores, como data centers e plantas de hidrogênio verde, representa um novo desafio para sistemas elétricos em todo o mundo. Essas cargas, de natureza disruptiva, têm surgido recentemente com demandas muito elevadas — muitas vezes da ordem de gigawatts (GW) — concentradas em pontos específicos do sistema, o que foge aos padrões históricos de crescimento da carga considerados no planejamento da expansão da transmissão, que se baseia em projeções macroeconômicas e demográficas”. 

Segundo a nota, “o ONS, em articulação com o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vem atuando para viabilizar soluções estruturantes que permitam, de forma segura e sustentável, a futura conexão dessas novas cargas, resguardando a confiabilidade do atendimento a todos os usuários do sistema”.

Categorias: SINDILIMPE

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