FONTE: DP 

Por: Rosana Hessel

Por: Correio Braziliense

 (Foto: Divulgação/Agência Brasil)
Foto: Divulgação/Agência Brasil

O forte aumento nos preços tem feito um estrago enorme no orçamento doméstico da maioria das famílias brasileiras ao longo deste ano e, de quebra, tem ajudado a comprometer o crescimento da economia em 2022. O Banco Central (BC) vem elevando os juros para patamares restritivos à atividade econômica, o que deverá frear o Produto Interno Bruto (PIB) em pleno ano eleitoral, para o desespero do governo Jair Bolsonaro. Analistas alertam que apenas elevar a taxa básica da economia (Selic) não será suficiente para conter as pressões inflacionárias, que estão se mostrando cada vez mais persistentes até o próximo ano.Segundo os especialistas, além de comprovar que é uma autarquia independente do governo, o BC precisará diversificar o arsenal de instrumentos para manter o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) abaixo do teto da meta no ano que vem e intervir mais no câmbio. Isso porque o dólar tem voltado a ficar em torno de R$ 5,50 e não deve cair facilmente devido aos riscos políticos e fiscais elevados, ajudando a manter o custo de vida elevado e na casa de dois dígitos.
O teto da meta de inflação deste ano é de 5,25% e, no ano que vem, cai para 5% — menos da metade da alta acumulada em 12 meses no IPCA de setembro, de 10,25%. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC elevou a taxa Selic em um ponto percentual, para 6,25% ao ano, e sinalizou o mesmo ritmo de alta nas duas próximas reuniões do ano — de outubro e de dezembro —, o que fará com que os juros terminem o ano em 8,25%.
Contudo, com a Selic nesse patamar, será difícil para o BC conseguir convergir o IPCA abaixo de 5% no ano que vem, pois a mediana das projeções atuais já estão em 4,7% e devem continuar subindo, de acordo com especialistas.“A estratégia de adiar um ajuste mais forte é muito arriscada e tem um risco elevado que é manter a inflação alta em 2022 por causa da inércia”, alertou o economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, Eduardo Velho, que prevê alta de 9,26% no IPCA deste ano. Apesar de prever a Selic em 8,25% no fim do ano, Velho considera que, atualmente, os juros básicos em 9,5% ao ano podem ser o piso para a Selic se o BC quiser evitar um novo estouro da meta de inflação em 2022.
Segundo ele, o recente reajuste na gasolina anunciado pela Petrobras só piora o quadro inflacionário e “deverá contribuir para um cenário em dezembro com o IPCA de dois dígitos”. Pelas estimativas dele, o BC poderá elevar a Selic para 10% em abril próximo e, no fim de 2022, os juros básicos deverão encerrar o ano em 8,5%.
Especialistas lembram que o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado na semana passada pelo Banco Central, atribui que boa parte da inflação foi decorrente da alta dos preços das commodities e dos combustíveis, mas eles destacam que há muitas incertezas no cenário econômico e político que contribuem para os preços continuarem elevados.
“Uma leitura apressada poderia indicar que bastaria voltar os preços das commodities para o BC não precisar se preocupar muito e não subir a taxa de juros que deveria. Mas, como tem sido recorrente desde o início do ano, as projeções de inflação têm sido revisadas para cima”, alertou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
“No nosso caso, mantemos o IPCA esperado este ano em 8,6% e, no ano que vem, em 4,7%. Mas o risco que começa a aparecer é de o BC perder a capacidade de manter as expectativas de inflação ancoradas ao redor da meta para 2022. O mercado tem revisado sistematicamente as projeções para cima e fica a dúvida do que poderá ser a inflação ano que vem. Alguns riscos estão se acumulando.”
De acordo com a professora do Insper Juliana Inhasz, o Banco Central já percebeu que a inflação de dois dígitos é uma realidade e que apenas elevar os juros não vai ter muito efeito, devendo intervir no câmbio. “Quando olhamos para o câmbio, ele já está contaminado pelo risco político e o risco fiscal. E, como há muitas incertezas ainda no cenário externo devido à pandemia da Covid-19, pode ser que o BC, de alguma forma, precisará pensar em alguma intervenção mais direta, como soltar um pouco das reservas internacionais”, apostou.
Na sexta-feira, esse estoque estava em US$ 368,9 bilhões. “A intervenção via juros é muito lenta e tem sido corroída por outros efeitos devido às incertezas e aos riscos fiscal e político.”
DólarOs analistas lembram que o dólar continuará valorizado no ano que vem, devido às incertezas em relação às eleições e também porque o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) deu sinais claros de que mudará a política monetária, reduzindo a liquidez no mercado e, consequentemente, reduzindo a oferta de dólares. Isso ajuda a elevar o preço da divisa dos EUA, que injetam US$ 120 bilhões por mês desde o ano passado. “O BC precisará agir e aliar outras políticas, senão apenas subir os juros não vai ter efeito”, destacou Juliana Inhasz.
De acordo com Eduardo Velho, o BC deverá intervir no câmbio se o dólar voltar a ficar em patamares próximos a R$ 6. “Caso o dólar suba de forma mais rápida para aquele nível de R$ 5,7 ou de R$ 5,8, seria factível alguma intervenção do Bacen mais forte com leilão de linha de venda. Mas o BC não tem meta e não controla o preço do câmbio. A intervenção seria fundamentada por uma variação acentuada do dólar para cima em um curto espaço de tempo sem muita consistência de tendência”, explicou.
Guedes admite que inflação vai subirO ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem, durante entrevista à TV Bloomberg, nos Estados Unidos, que a inflação no Brasil vai subir, mas que haverá crescimento neste ano e em 2022. Um ano antes das eleições presidenciais, o chefe da equipe econômica também afirmou que teme o impacto do risco político nos mercados financeiros.
“Sim, a inflação vai subir, mas a política monetária está lá para conter a alta de preços”, respondeu Guedes a uma pergunta sobre a pressão inflacionária no país. Segundo o ministro, metade da inflação brasileira vem atualmente dos preços de alimentos e da energia. Ele declarou que o Brasil tem uma democracia “vibrante”, mas que há muito “barulho político”. Ele disse ainda que há no país uma “turma” que perdeu as eleições de 2018, mas que “não aceita o resultado”, em uma sugestão de que opositores tentam sabotar o governo.
Durante a entrevista, o ministro criticou as projeções para a economia brasileira, disse que as estimativas se provarão erradas e previu que o Produto Interno Bruto (PIB) do país crescerá 5,5% este ano. “Crescimento não será problema. O problema é a inflação”, declarou.
No Relatório de Mercado Focus mais recente, divulgado na segunda-feira, houve manutenção da mediana das previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2021, em 5,04%, mesma estimativa de quatro semanas atrás. Já o Fundo Monetário Internacional reduziu um pouco a projeção do crescimento do Brasil para 2021, da estimativa de 5,3% divulgada em julho para 5,2% agora.
De acordo com Guedes, o Brasil terá uma recuperação forte, após os efeitos da pandemia de Covid-19, porque o avanço da vacinação permitirá que as pessoas voltem ao trabalho de forma segura. Ele também disse que a estrutura regulatória do país mudou e que, por isso, o Brasil está agora “aberto a negócios”.
Guedes está nos EUA para participar de reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do grupo das 20 maiores economias do mundo (G20), do qual o Brasil faz parte. Mais cedo, o ministro também concedeu uma entrevista à CNN Internacional e falou sobre inflação, crescimento, pandemia e vacinação, empresas de offshore e o plano de crescimento verde para o país, que será apresentado na COP26, na Escócia, no mês que vem.
Pandora PapersSobre a investigação Pandora Papers, que apontou Guedes (e também o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto) como proprietário de uma empresa num paraíso fiscal (offshore), o ministro disse que “não fez nada de errado”. Ele voltou a dizer que sua offshore é “legal, reportada ao Comitê de Ética da Presidência, declarada na Receita Federal e registrada no Banco Central”. “Eu saí do comando da empresa semanas antes de assumir o ministério. E além disso, na semana passada, a Suprema Corte brasileira arquivou o caso”, afirmou.
Pressões cada vez maioresAs pressões inflacionárias não devem ceder tão fácil, de acordo com analistas que alertam para um problema ainda maior para o governo: o fim da margem extra do teto de gastos em 2022, que vem encolhendo mês a mês. Aliás, isso é o que mais deve incomodar o ministro da Economia, Paulo Guedes, que passou a reconhecer que a inflação é mais preocupante do que o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
“O problema não é o crescimento, mas é a inflação”, disse Guedes, ontem, em entrevista à Bloomberg nos Estados Unidos. O ministro está em Washington para participar do encontro anual de outono no Hemisfério Norte do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. O retorno do chefe da pasta de Economia está previsto para amanhã. Ele voltou a minimizar as projeções mais pessimistas para o PIB brasileiro dizendo que as previsões “têm sido constantemente erradas”.
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro deverá ficar acima dos 8,25% contabilizados em 12 meses até junho e que corrige a emenda constitucional que limita o aumento dos gastos à inflação. Vale lembrar a alta acumulada no IPCA de setembro, que registrou elevação de 10,25%. É a primeira vez que o indicador registra alta de dois dígitos desde fevereiro de 2016, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Portanto, se o indicador continuar elevado, o governo não terá folga no teto de gastos como anteriormente previsto.
Ao contrário das estimativas no início do ano, a inflação não está cedendo no segundo semestre e não deverá ficar abaixo dos patamares da primeira metade do ano, o que é preocupante porque há vários fatores que devem contribuir para o aumento do custo de vida. Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, lembrou que, além da dispersão generalizada, o dissídio dos trabalhadores a ser concedido neste mês, em torno de 9%, deverá ajudar a pressionar a inflação. E destacou ainda que a retomada do setor de serviços, que começou também a reajustar os preços, como restaurantes e passagens aéreas, também contribui para a inflação mais alta nos próximos meses e no ano que vem.
Não à toa, as estimativas de crescimento do PIB de 2022 estão em queda livre enquanto as projeções de inflação e da taxa básica de juros (Selic) não param de subir. Diante desse cenário e do aumento das incertezas em relação à pandemia, o FMI, por exemplo, passou a prever 1,5% de crescimento no PIB de 2022, mas há projeções ainda piores, como a da MB Associados, que já prevê alta de 0,4%.
“Observamos pressões inflacionárias muito fortes, tendo o agravante de combustíveis e energia estarem pressionados. Quase tudo que utilizamos no dia a dia leva esses itens indiretamente. O ano de 2022 vai ser desafiador. Cenário externo com principais bancos centrais subindo juros no segundo semestre”, alertou o estrategista da RB Investimentos. “Ainda tem todo esse problema das indústrias desabastecidas no mundo. Vamos ter um 2022 com inflação alta no mundo e o Brasil não vai escapar dessa pressão”, acrescentou Cruz. 

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